segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Choro do Animal de Ana Miranda

Na 252° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 22 de janeiro de 2012 das 8 às 9 da manhã de domingo, transmissão Rio Una FM 87,9 desfrutamos da poesia de Ana Miranda, retirado da revista CAROS AMIGOS, MARÇO DE 2011.

O Choro do Animal

Nunca vi minha gata Filomena chorar, ela às vezes mia mais triste, mas parecer ser muito orgulhosa para mostrar seus sofrimentos. Nem chora o seu filho, Sossonho, que é quase um gato de rua, metido em namoros e brigas, voltando com a patinha ou a orelha ferida. Dá uns miados de melancolia, mas não chora. Chora o Shico, cachorro de meus netos que vive aqui comigo e meu amigo, por qualquer motivo ele geme com um desalento de partir nosso coração, quando quer transpor uma porta, quando precisa de afago ou companhia, não lhe saem lágrimas, mas é um choro profundo.
Outros animais também choram. Soins, passarinhos, capotes, cabritos... Num livro gracioso que tenho aqui, Perfis sertanejos, de José Carvalho, um vaqueiro conta uma história que impressiona pelo sentimento. Quando uma boiada sobe a serra da Borborema, a extrema que divide os climas do Ceará para Pernambuco, e sente o cheiro do outro sertão, arranca num pranto desesperado. Os bois não querem andar, suas cabeças baixam para a terra, mugem com desespero, lágrimas caem grossas " no chão que fica todo molhado como se tivesse chovido". O gado fica manso e bom, o tangerino pode lhe passar a mão pelo dorso. Quando sentem o cheiro do boi que foi morto, pranteiam, escavam a terra, e o povo diz que a serra é encantada. Mas o vaqueiro acha que é porque o boi sabe que vai deixar o seu sertão, seus pastos, onde nasceu e foi criado, ou como se adivinhasse que vai morrer na cidade de Recife. Depois de muito trabalho, empurrando-os com as mãos, os vaqueiros conseguem que prossigam. O fazendeiro que ouve o relato concorda que o boi chore a morte de um companheiro, mas não que chore de saudades. E se chora " isso merece um poema". Diz o arrieiro: 'É o coração mais terno e mais amoroso que eu conheço, é o coração do gado!
Triste, tristíssimo é o choro dos burrinhos soltos por aqui, ou presos com uma corda a um poste, mortos de sede sob o sol, sozinhos. Ás vezes passam dias e dias ali, e de noite ressoam os zurros mais magoados deste mundo. Quando vejo um deles, com sua mansidão, sua ternura, tão maltratados e oprimidos, quem tem vontade de chorar sou eu.


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