quinta-feira, 14 de maio de 2009

O velho, o menino e a mulinha

O velho, o menino e a mulinha

Lido na 127° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 10 de maio de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650 Khz AM.

O velho chamou o filho e disse:


- Vá ao pasto, pegue a bestinha ruana e apronte-se para irmos á cidade, que quero vendê-la.


O menino foi e trouxe a mula. Passou-lhe a raspadeira, escovou-a e partiram os dois a pé, puxando-a pelo cabresto. Queriam que ela chegasse descansada para melhor impresionar os compradores.


De repente:


-Esta é boa! – exclamou um viajante ao avistá-los. O animal vazio e o pobre velho a pé! Que despropósito! Será promessa, penitencia ou caduqueice?


E lá se foi, a rir.


O velho achou que o viajante tinha razão e ordenou ao menino:


-Puxa a mula, meu filho. Eu vou montado e assim tapo a boca do mundo.


Tapar a boca do mundo, que bobagem! O velho compreendeu isso logo adiante, ao passar por um bando de lavadeiras ocupadas em bater roupa num córrego.


- Que braça! – exclamaram elas. O marmanjão montado com todo o sossego e o pobre menino a pé... Há cada pai malvado por este mundo de Cristo... Credo!


O velho danou e, sem dizer palavras, fez sinal ao filho para que subisse à garupa.


-Quero só ver o que dizem agora...


Viu logo. O Izé Biriba, estafeta do correio, cruzou com eles e exclamou:


-Que idiotas! Querem vender o animal e montam os dois de uma vez... Assim, meu velho, o que chega à cidade não é mais a mulinha, é a sombra da mulinha.


-Ele tem razão, meu filho, precisamos não judiar do animal. Eu apeio e você, que é levinho, vai montado.


Assim fizeram, e caminharam em paz um quilômetro, até o encontro dum sujeito que tirou o chapéu e saudou o pequeno respeitosamente.


- Bom dia, príncipe!


-Principe?- indagou o menino.


- É boa! Porque só príncipes andam assim de lacaio à rédea...


-Lácaio, eu? – esbravejou o velho. Que desaforo! Desce, desce, meu filho e carreguemos o burro às costas. Talvez isto contente o mundo.


Nem assim. Um grupo de rapazes, vendo a estranha cavalgada, acudiu em tumulto, com vaia.
- hu, HU! Olha a trempe de três burros, dois de dois pés e um de quatro! Resta saber qual dos três é o mais burro...


-Sou eu! – replicou o velho, arriando a carga. Sou eu, porque venho há uma hora fazendo não o que quero mais o que quer o mundo. Daqui em diante, porém, farei o que me manda a consciência, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já vi que morre doido quem procura contentar toda gente.


Monteiro Lobato- Retirado do livro: Sítio do Picapau Amarelo

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