terça-feira, 5 de maio de 2009

Na toca do coelho


Leitura feita na 126° edição do programa radiofônico ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER que foi ao ar no dia 3 de maio de 2009, transmissão pela Rádio Clube de Valença 650Khz AM.

Alice estava começando a cansar-se de ficar sentada sobre o barranco, sem nada para fazer. Uma fez ou duas tinha dado uma olhada no livro que sua irmã estava lendo.

-Para que pode servir um livro sem figuras nem conversas? – pensava, aborrecida.

O calor daquele dia estava deixando Alice com sono. Ela perguntava a si mesma se o prazer de fazer uma guirlanda de margaridas valia o esforço de ir colher as margaridas. Foi quando um coelho branco de olhos cor-de-rosa passou correndo bem pertinho dali.

Não havia nada de extraordinário nisso. Alice não achou verdadeiramente notável nem mesmo quando o Coelho Branco disse para si mesmo: - Meu Deus! Meu Deus! Vou chegar atrasado! – Mas quando ele tirou um relógio do bolso do colete, olhou as horas e depois continuou seu caminho a toda pressa, Alice levantou-se. Teve a impressão que nunca em sua vida tinha visto um coelho que tivesse um colete com bolso e muito menos um relógio para tirar do bolso. Ardendo em curiosidade, correu atrás do coelho através do campo e, por sorte, chegou justo a tempo de vê-lo mergulhar na abertura de uma grande toca, perto da cerca.

Num instante Alice estava descendo também, sem se perguntar nem por um momento como faria depois para voltar.

A toca continuava reta como um túnel durante um bom pedaço, depois afundava de repente, tão de repente que Alice não teve nem tempo de pensar em parar, antes de perceber que estava caindo num poço muito profundo.

O poço era de fato muito profundo ou ela é que estava muito devagar? A verdade é que, enquanto caía, Alice tinha tempo de olhar ao redor e até de refletir sobre o que iria acontecer...

Primeiro experimentou olhar para baixo e tentar ver para onde ia, mas lá embaixo era muito escuro. Então olhou para as paredes do poço e notou que estavam cheias de cartazes e estantes. Aqui e ali havia mapas e quadros. Sempre descendo, Alice apanhou um pote de doce numa das prateleiras. Ele tinha uma etiqueta: DOCE DE LARANJA. Mas, para seu grande desapontamento, estava vazio.

Teve vontade de jogá-lo fora, mas, com medo que caísse em cima de alguém, colocou-o, de passagem, numa prateleira.

-Bem – pensou Alice-, depois de uma queda como esta, não vou ter medo nem que role a escada lá de casa. Todos vão me achar corajosíssima. Acho que até do telhado poderei cair sem susto.

Cada vez caindo mais... Cada vez mais fundo... Essa queda não pararia nunca?

-Eu me pergunto a quantos quilômetros de profundidade terei chegado – disse Alice alto. Não devo estar muito longe do centro da Terra. Creio que já caí uns seis mil quilômetros, mais ou menos.
Alice tinha aprendido uma porção de coisas assim na escola. A ocasião não era muito boa para mostrar o que sabia, porque não havia ninguém ouvindo. Mas mesmo assim ela estava aproveitando para se exercitar.

-Sim, acho que é essa a distância exata. Mas em que latitude e longitude irei cair?

Alice não tinha a menor idéia do que fosse uma latitude ou uma longitude. Mas achava muito elegante pronunciar essas palavras tão difíceis.

-Eu me pergunto se não vou cair do outro lado da Terra. Como será engraçado chegar a um lugar onde as pessoas andem de cabeça para baixo. São essa pessoas que se chamam os...Antipatias?

Dessa vez Alice ficou muito contente de não haver ninguém escutando, porque tinha a impressão de que a verdadeira palavra não era essa. Ela queria dizer “antípodas”, mas não tinha acertado.

-Vai ser preciso que eu lhes pergunte o nome do país. “Por favor, minha senhora, aqui é a Austrália ou a Nova Zelândia?” (Alice experimentou fazer uma reverencia enquanto falava. Mas logo viu que era impossível fazer uma reverencia caindo) Não, a tal senhora vai achar que sou uma menina ignorante. É melhor não perguntar nada: talvez eu veja o nome escrito em algum lugar.

Sempre caindo e caindo e caindo....

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