segunda-feira, 18 de maio de 2009

As prédicas



Fragmento da obra: "Os sertões" de Euclides da Cunha, lido na 128° edição do ALACAZUM PALAVRAS PARA ENTRETER.

Ele ali subia e pregava. Era assombroso, afirmam testemunhas existentes. Uma oratória bárbara e arrepiadora, feita de excertos truncados das Horas Marianas, desconexa, abstrusa, agravada, ás vezes, pela ousadia extrema das citações latinas; transcorrendo em frases sacudidas; misto inextricável e confuso de conselhos dogmáticos, preceitos vulgares da moral cristã e de profecias esdrúxulas.
Era truanesco e era pavoroso.
Imagine-se um bufão arrebatado numa visão do Apocalipse...
Parco de gestos, falava largo tempo, olhos na terra, sem encarar a multidão abatida sob a algaravia, que derivava demoradamente, ao arrepio do bom senso, em melopéia fatigante.
Tinha, entretanto, ao que parece, a preocupação do efeito produzido por uma ou outra frase mais decisiva. Enunciava-a e emudecia; alevantava a cabeça, descerrava de golpes as pálpebras; viam-se-lhe então os olhos extremamente negros e vivos, e o olhar – uma cintilação ofuscante.... Ninguém ousava contemplá-lo. A multidão sucumbida abaixava, por sua vez, as vistas, fascinada, sob o estranho hipnotismo daquela insânia formidável.
E o grande desventurado realizava, nesta ocasião o seu único milagre: conseguia não se tornar ridículo.

Fragmento da obra: “Os Sertões” de Euclides da Cunha

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